sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Reflexofobia - Parte I

Postado por Pedro_Almada às 15:11
         A noite veio arrebatadora, afastando a luz da pequena cidade de Verdanna, em algum lugar no mapa que não faria diferença ser contado.
          Mas não era uma noite qualquer. Parecia mais negra do que todo o resto, como se nenhuma outra expectativa existisse abaixo do firmamento. As constelações se recusaram a iluminar os passos dos andarilhos noturnos. Todos estavam à mercê da grande treva que engolia a cidade.
          Mas, entre numerosos lugares para se viver naquela cidade, qualquer um seria seguro. Exceto... um.
          A escola de Verdanna era uma bela construção de época vitoriana, com duas torres nas extremidades, corredores, salas espalhadas. Uma construção de tijolos avermelhados erguido no fim de uma estrada de terra, onde todos os jovens da cidade freqüentavam. Os corredores eram largos, com janelas espaçosas e portas de madeira de se abriam com um rangido curioso. A entrada era um muro de concreto bem seguro, um portão de barras de ferro escuras e grossas, com adornos de querubins feitos de metal. Havia um pátio a céu aberto, com mesas de madeira uma fonte no centro, uma garotinha de pedra com um guarda-chuva.
          Mas o colégio de Verdanna não se resumia apenas a construções.
          As paredes respiravam.
          De dia, um lugar tranquilo e ideal para se estudar. À noite, o domínio de presenças desconhecidas, donos misteriosos de passos sorrateiros que vagavam pelas escadas e abriam portas sem nenhuma explicação. As janelas viviam fechadas. Diziam que, quem quer que perambule por lá a noite, não gosta da brisa noturna.
          Como toda lenda urbana, existem os céticos. Mentes que não confiam em nada que não vejam, mentes ignorantes ao medo.
          Do lado de fora, quatro garotos, cerca de dezesseis anos cada um, esperavam, apreensivos. Esperavam por alguém.
          - Ele já entrou faz algum tempo – murmurou o mais alto do grupo.
          - Aposta é aposta, pessoal – falou um deles em defesa própria.
          - É loucura...
          Um dos garotos não parecia disposto a falar. Estava distraído, seus olhos fixos na construção imponente. Havia uma leve camada de névoa cobrindo o pátio, rodopiando e subindo vagarosamente, cobrindo o segundo andar.
          - Ela sabe que o Victor entrou – murmurou o garoto.
          Os olhos dos outros três acompanharam o amigo, assistindo a névoa crescente.
          Isso é névoa? – perguntou um deles.
         - Não – o outro disse com voz trêmula – a casa está com frio. Victor deixou uma janela aberta.
           
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          O corredor principal que dava direto à entrada se dividia logo mais a frente, para a esquerda e direita. As primeiras portas eram a diretoria, secretaria, tesouraria e outras “ias” que faziam da escola um instituto de ensino. Mas, naquele momento, Victor não se importava com termos acadêmicos Estava mais preocupado em encontrar o espelho, tirar uma foto e dar o fora.
          Sua testa estava úmida. Um suor frio começou a atravessar os poros de sua pele. Os cabelos, úmidos, começaram a gotejar. Victor levou a manga da camisa à testa, enxugando o suor. Estranhamente, sentia um calor sem nenhuma origem, como se as portas entreabertas fossem gargantas que baforejavam um hálito quente e apavorante em sua presa. Em Victor.
          Seus passos se demoraram no corredor principal, atento aos movimentos. No instante em que colocara os pés ali, sabia que não era bem-vindo. Alguém ali o queria longe. Mas precisava pagar a aposta. Seria rápido, sem demora.
          - Com licença... – Victor valou num sussurro – sinto muito incomodar... Eu só quero tirar uma foto do espelho.
          Ele esperou por uma resposta. Suspirou, sentindo-se um idiota. Conversar sozinho era o início da beira à loucura. Continuou caminhando, sentindo a tensão passar por todo o seu corpo.
          Seu tênis fazia um leve “inhec” a cada passo, seus olhos atentos fitavam todas as portas. Sentiu o medo dominando-o, tornando-o submisso aos sentimentos de pavor. Mas já estava ali, não podia voltar, ou seria motivo de chacota. Como se isso fosse mais importante do que continuar vivendo.
          Chegou ao fim do corredor principal. A cada passo suas opções diminuíam, e sua única alternativa era continuar.
          Victor lançou um último olhar à porta de entrada. Seus olhos ficaram vidrados por um momento.
        Havia alguém do outro lado. Um vulto era claramente visível pelo vidro opaco. As luzes fracas do poste do pátio mostravam que alguém, provavelmente uma criança, esperava do lado de fora. Esperava. Ou vigiava. Era difícil entender.
          Victor chacoalhou a cabeça. Era fruto de sua imaginação. Seus olhos pousaram novamente na porta.
        Não. Não era sua imaginação. A figura ainda estava lá. Então ela se moveu. Uma mão tocou o vidro. Victor podia ver claramente a palma da mão rosada.
        Se não era imaginação, iria fingir que não estava vendo nada.
        Virou as costas, ignorando a porta de entrada e a estranha figura. Tomou o corredor da esquerda, caminhando silenciosamente, engolindo em seco. Havia alguém respirando. Não era ele. Correu até o corredor principal e lançou um rápido olhar novamente à porta de entrada. Ela ainda estava lá.
          Então havia mais de um dentro da escola.


Continua...

7 comentários:

Tainá W. Conti on 13 de janeiro de 2012 às 15:28 disse...

Uau, eu morro de medo AHUSHAUH
queero continuação!! :D
Adorei Pedro! Escrever super bem *-*
Novo autor nacional pra gente? Parceria? hahah
Sucesso :*

Poesia na alma on 13 de janeiro de 2012 às 15:43 disse...

Muito bom!

tirar o fôlego!

Anônimo disse...

Ui, com o céu nublado e a chuvinha fina aqui não precisei de mais nada pra tremer! Mas sou masoquista, quero saber o que acontece agora!!

desigusson.wordpress.com

• Ӗwerton Ľenildo. on 13 de janeiro de 2012 às 17:06 disse...

hahaha
" Do lado de fora, quatro garotos, cerca de dezesseis anos cada um, esperavam, apreensivos. Esperavam por alguém." XD Adorei.
MASOQ ? Quem era a outra criatura dentro da escola? hahahahaha Adoreeei esse conto de terror Pedro, meus mais sinceros parabéns hehehe
Espero ler a continuação em breve haha
Lindo post, abração.

Ewerton Lenildo - Academia de Leitura
papeldeumlivro.blogspot.com
@Papeldeumlivro

O Livreiro² on 13 de janeiro de 2012 às 17:19 disse...

"Havia alguém do outro lado. Um vulto era claramente visível pelo vidro opaco. "

Isso pode virar livro em. Que conto.

teste on 13 de janeiro de 2012 às 19:13 disse...

Olha o Pedro arrasando como autor minha gente hahaha Parabéns meu lindo *-*
Ansiosa pela continuação, você escreve super bem, me avisa quando postar mais :D
Beijinhos da Kate

Lu Piras on 13 de janeiro de 2012 às 21:06 disse...

Ainda bem que não está chovendo agora e não estou sozinha em casa. *medo*
Arrasou, Pedro! Você transmitiu muito bem o ambiente da história e me transportou para dentro dela. E com riqueza de detalhes!
Adorei essa parte:
"À noite, o domínio de presenças desconhecidas, donos misteriosos de passos sorrateiros que vagavam pelas escadas e abriam portas sem nenhuma explicação. As janelas viviam fechadas. Diziam que, quem quer que perambule por lá a noite, não gosta da brisa noturna."

Isso não é nada fácil. Sua escrita é viciante! Quero saber mais!

Beijocas,

Lu
www.equinocioaprimavera.blogspot.com

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