terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Reflexofobia - Parte II

Postado por Pedro_Almada às 09:13
   Andar não era a coisa mais inteligente a se fazer, já estava óbvio. Começou a correr. O medo era tão real quanto ele próprio, suas mãos apertaram a câmera digital que tinha e a lanterna, suas únicas armas. Correu pelo corredor da esquerda, enquanto fitava, alarmado, as janelas imensas. Vários vultos refletidos pelas vidraças. Não apenas um. Crianças. Todos eram crianças. Mas estavam lá. Victor, definitivamente, não estava sozinho. A solidão era bem tentadora naquele momento.
   Empurrou a porta da escada, sem olhar para trás. Na pressa acabou deixando sua lanterna cair, espatifando-se em vários pedaços. Victor não se deu ao trabalho de conferir o estrago, seus pés se lançaram nos degraus e se moveu rapidamente até o segundo andar. Apertou os dedos em volta da máquina digital, desejando sair de lá o mais rápido possível. “Uma foto”, murmurou, “Apenas uma”.
   Finalmente alcançou o patamar superior. Trêmulo, seu suor escorria por todo o corpo. Sentiu sua camisa encharcada, sua meia dentro do tênis estava úmida. Todo o seu corpo gemia de medo. Estava perto.
   Havia um outro corredor longo, que se dividia na metade do caminho para a esquerda. Ele respirou fundo. Começou a caminhar apressadamente. Ouvira passos. Não eram os dele. Ignorou completamente. O medo o havia sedado, mutilado sua capacidade de raciocinar. Tudo o que tinha em mente era chegar ao espelho, tirar uma foto, e partir. Para qualquer lugar.
  Chegou ao fim do corredor. Havia mais um. Ele não se lembrava de outro corredor. Continuou a caminhada. Virou a direita, e depois à esquerda. Por um momento achou que estivesse perdido, mas logo se localizou. Estava bem perto agora.
   No fim do corredor havia uma porta de madeira pintada de cinza, com uma dobradiça grande, obsoleta para a época.
   Victor aproximou-se vagarosamente. Toda a história da lenda urbana se passara em sua mente. A criança que morrera de frente ao espelho, amargurada, chorando até a desidratação do corpo. Dizem que, se olhar bem, é possível ver uma cortina espelhada no banheiro, formada pelas lágrimas da jovem.
    Victor nunca acreditara em nada do tipo. Mas, naquela noite, havia percebido que estivera redondamente errado, seu ceticismo o deixara vulnerável a uma situação como essa.
    A mente que tem medo pode prever o próximo passo. Mas a mente desprovida do medo, ao se deparar com uma situação de pânico, perde a noção da sua realidade, e é devorada pelo pavor, sem nenhuma misericórdia.
   O garoto avançou mais alguns passos. Estava de frente à porta. Havia uma placa amarela escrito “interditado”. Aquele banheiro não era usado há mais de vinte anos, quando a garota morrera. Muitos estiveram ali durante o dia, provando sua coragem. Mas a noite, não. Victor era o primeiro. Estava com calor. O suor não parava de ser despejado em seu corpo. Ele caminhou até uma das janelas e abriu-a. Uma leve brisa invadiu o corredor. Mas não havia luz alguma para entrar no recinto. Era apenas escuro. Apenas isso.
   Com a mão trêmula, forçou a porta. Ela se abriu com um rangido perturbador. Parecia o choro de uma criança. Victor sentiu os cabelos de sua nuca se eriçarem. Mas não parou. Com a porta aberta, fitou o banheiro abandonado.
   Vasos sanitários amarelados, uma porta de box quebrada, os azulejos, antes brancos, agora manchados de amarelo. Um cheiro forte de urina e fezes rodopiava no ar, dando ao ambiente a pior sensação que Victor já experimentara. Na parede do canto, tudo o que precisava.
   Um espelho oval, uma moldura de madeira, rachaduras leves. Victor engoliu em seco, encarando o próprio reflexo. Seu maxilar simplesmente não conseguia parar de tremer, seus dentes batiam um no outro, sentindo um frio súbito e arrebatador consumir cada centímetro do seu corpo, paralisar os seus músculos acovardados.
   Ligou a máquina digital, ativou o flash e, apontando para o espelho, disparou. A luz ricocheteou as paredes, iluminando o banheiro como um relâmpago. Victor não notara um rosto estranho ser iluminado, logo atrás dele.
   Tirou uma foto, depois outra. Estava começando a esquecer o medo, quando sentiu uma gota acertar o seu nariz.
   Ele estremeceu, passou a manga da camisa no nariz e olhou para cima. Uma outra gota começara a se formar. E depois outra.
   As gotas começaram a brotar do teto, como... Lágrimas.
   Uma caiu em seu olho. Victor esfregou fervorosamente com a mão, sentindo o pânico dominá-lo outra vez.
   Fitou o espelho. Havia uma mão. Do “lado de dentro”. O vidro estava embaçado por uma névoa que não notara chegar. A palma de uma pequena mãozinha pálida estava apoiada no lado de dentro do espelho. Victor se virou. Não havia ninguém, apenas o reflexo.
  Mais gotas caíram.
   Victor sentiu medo, mas naquele momento ele sabia. Não adiantava correr. Estavam vigiando as portas, certificando-se de que ele não sairia dali. Nunca mais.
   Ele fitou o próprio reflexo. Mas o que via não coincidia com a realidade.
   Seu rosto estava pálido, como um cadáver, uma linha de sangue escuro escorria de seus olhos. Sua boca aberta dava espaço para moscas escaparem.
    A porta rangeu, fechando-se, fazendo o ruído do choro.
    Victor deixou a máquina cair. Fechou os olhos e esperou. Estaria morto em questão de segundos


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    Do lado de fora, os amigos ouviram o grito do amigo, um grito de pavor e pânico. Victor não voltaria com a prova de sua coragem.

4 comentários:

teste on 17 de janeiro de 2012 às 11:12 disse...

"Finalmente alcançou o patamar superior. Trêmulo, seu suor escorria por todo o corpo. Sentiu sua camisa encharcada, sua meia dentro do tênis estava úmida. Todo o seu corpo gemia de medo. Estava perto."

Esse daí é mais medroso que eu hahaha, adorei Pedro *----* Vai ter mais?
Acho que você tem o dom da escrita, quero só ver como vai ser um livro seu :D
Beijinhos da Kate-Kate hahaha

Lu Piras on 17 de janeiro de 2012 às 20:37 disse...

Oi Pedro!

Não podia deixar de conferir a continuação do conto que destruiu o que restava das minhas unhas. Mais uma vez você me surpreende! Sua escrita é detalhista sem ser cansativa. Acredito que em contos de terror, a descrição seja muito importante. O fato do leitor conseguir se imaginar naquele ambiente funesto, sombrio. Você é muito eficaz nisso.
Meu trecho preferido:
"As gotas começaram a brotar do teto, como... Lágrimas.
Uma caiu em seu olho. Victor esfregou fervorosamente com a mão, sentindo o pânico dominá-lo outra vez.
Fitou o espelho. Havia uma mão. Do “lado de dentro”. O vidro estava embaçado por uma névoa que não notara chegar. A palma de uma pequena mãozinha pálida estava apoiada no lado de dentro do espelho. Victor se virou. Não havia ninguém, apenas o reflexo."

Parabéns! *_*

Beijocas,

Lu

• Ӗwerton Ľenildo. on 17 de janeiro de 2012 às 21:54 disse...

COMO ASSIM? hahahahaha
Nem desista de escrever mais hahaha
Quero a continuação U.U Adorei parceiro!
Escrever contos de terror é com você mesmo!
Escreva mais e mais hoho E vá postando aqui :D
Como o primeiro, esse está fabuloso, e esse desfecho foi fantástico (;
Sucesso SEMPRE maninho XD
Abração .


Ewerton Lenildo – Academia de Leitura
papeldeumlivro.blogspot.com
@Papeldeumlivro

Tainá W. Conti on 18 de janeiro de 2012 às 17:39 disse...

ahh, só eu que fiquei com medo? COITADO DO MENINO KK Mas ele é muito corajoso, eu nem teria entrado HUSHUAHS
PARABÉNS PEDRO! ADOREI ADOREI, vai ter mais?? *---* hahaha não pare de escrever jamais!
Beijos :*

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